urbe.arquitetônica

Urbanismo e paisagismo - Praças de Cariacica-ES
No ano de 2022, em contratos fechados entre a Avantec Eng. e a Prefeitura de Cariacica, fizemos em parceria com a empresa, estudos e projetos para espaços públicos para a cidade de Cariacica. Seguem abaixo, alguns exemples desses projetos realizados.




Praça do bairro São Francisco, Cariacica-ES. Ano de 2022.
Introdução
“As praças desempenham um papel fulcral na estruturação dos espaços urbanos, traduzindo sua importância funcional e simbólica. Elas são locais privilegiados de encontro, de troca e de sociabilidade, condensando em si as razões de natureza política, social e econômica que historicamente conduziram ao aparecimento e à estruturação das cidades e que constituem sua essência” (TEIXEIRA, 2012, p. 99-100).
Desde o início, a praça do bairro São Francisco, na cidade de Cariacica (ES), caracterizou-se como um desafio urbanístico e de acessibilidade: como transformar um terreno com fortes declividades, que chegam a mais de 17% de inclinação, em um espaço urbano democrático e acessível? Não seria, porém, como concluímos ao terminar o estudo, através de soluções simples e/ou padronizadas, ou mesmo as utilizadas em espaços de mesma tipologia urbana, mas, em terrenos planos onde a preocupação maior seria, por fim, a simples organização de elementos urbanos compositivos, como por exemplo, mobiliários e equipamentos urbanos, ou mesmo variações gráficas e de cor sobre o piso desse novo lugar.
A necessidade aqui foi dupla: uma urbanística, primeiramente, ao criar ao mesmo tempo um lugar que acolhesse de forma diversa as pessoas em suas atividades variadas, através de espaços multifuncionais e flexíveis quanto ao uso e, de outro lado, mas não menos importante, a questão técnica que se mistura com o sentido de lugar da urbanística proposta, ao se utilizar desta para minimizar um problema natural do lugar: a inclinação que gerou a composição formal da nova praça também propicia, em épocas de fortes chuvas, a descida de águas pluviais torrenciais que o sistema de drenagem local ou não dá conta ou é maximizada pela própria impermeabilidade do solo pavimentado do entorno construído. Para tanto, o escalonamento proposto no projeto da praça, como que esculpido sobre o solo natural, não se limita à criação urbanística de cantos e recantos variados em um mesmo lugar originário, mas, também, de soluções técnicas que absorvam o máximo possível as águas das chuvas através de seu piso gramado e reduzam sua velocidade e fluxo, atuando como escadas hidráulicas.
O terreno triangular da Praça de São Francisco é na verdade aquela sobra que existe na convergência de ruas em ângulo, muito comum pelas cidades brasileiras e que, invariavelmente, são resquícios tanto de um desenho urbano vernáculo quanto de um erudito (TEIXEIRA, 2012). Três linhas que geometricamente definem um plano, que aqui no caso, pelas características topográficas do local definem, por fim, uma superfície inclinada que revela o relevo do entorno sob as edificações assentadas sobre ele.
São Francisco surge de um loteamento criado em 1971 por Idelio Bonadimam, que comprou a área em 1964, dividindo-a em 400 lotes (A TRIBUNA, 2007). O empreendimento aprovado cinco depois, vai sendo ocupado ao longo das últimas décadas do século passado, na medida em que sua infraestrutura é implantada pelo poder público (A TRIBUNA, 2007). As redes de água, esgoto e elétrica são criadas juntamente com a pavimentação das ruas, mas esse novo bairro da cidade de Cariacica carece, por fim, de espaços públicos de lazer e convívio para sua comunidade.
Bairro caracterizado por uma tipologia de organização espacial residencial, quase que monofuncional em sua ocupação, criado e planejado por um ente privado que estabelece ali, como explica Miranda (2013), no bojo dos exemplos do urbanismo contemporâneo, um lugar funcionalizado muito afeito a uma economia que não quer criar uma comunidade que compartilhe suas memórias, seus encontros e sua vida em comum.
A praça projetada, pelo contrário, surge como forte elemento urbano de encontro e trocas comuns, um lugar onde as pessoas possam, em sua diversidade e através da diversidade urbana do lugar, estabelecer vínculos, afetos e experiências compartilhadas.
O Projeto Urbanístico
“A importância das praças na organização da cidade verifica-se sejam elas destinadas a funções específicas ou a uma multiplicidade de funções; sejam elas resultantes da topografia do território, estruturadas por meio do desenvolvimento gradual da cidade, ou de um desenho e de um planejamento centralizado; sejam elas inseridas em malhas urbanas homogêneas ou situadas nas fronteiras de malhas urbanas distintas, articulando-as; sejam elas espaços diretamente associados às funções que neles se exercem ou com um papel eminentemente simbólico” (TEIXEIRA, 2012, p. 100).
Tipicamente residencial, com comércios localizados em suas bordas mais movimentadas, o bairro São Francisco é formado, em seu desenho urbano, por vias e a malha de lotes que se acomodam ao terreno acidentado. Ilhado acima das Rodovias BR 101 e 262, o bairro foi implantado em um morro com fortes declividades, que dificultam tanto a mobilidade como a existência de espaços de convívio.
O projeto da Praça do bairro São Francisco foi feito em um dos poucos lotes urbanos vazios existentes no local, espaço público nunca urbanizado, onde grandes árvores, especialmente castanheiras, ocupam boa parte do terreno baldio com suas enormes copas, cobrindo e sombreando naturalmente o terreno. A topografia acidentada do terreno e a presença dessas árvores foram tomados como partido urbanístico para a proposta apresentada e aprovada pela municipalidade, no ano de 2022.
Com área de 1.263,56 m² e formada pelo encontro das extensões das ruas São José e Conceição, a Praça se apresentou como um grande desafio, como dito anteriormente, primeiramente pela sua forte declividade. Com um desnível de mais de nove metros de altura e declividades acentuadas com mais de 17% de inclinação, a praça não apresentava áreas naturais propícias para o estabelecimento de espaços de convívio público.
Para tanto, para que fosse possível a utilização do espaço com a mínima acessibilidade por norma (NBR 9050:2020), foi necessário retrabalhar o seu relevo interno, já que seria impossível manipular seu entorno já consolidado de vias e edificações acomodadas ao relevo. O trabalho de projetar esse novo espaço público se configurou em uma verdadeira escultura urbana, já que durante toda a etapa do estudo houve a necessidade de talhar o terreno em sucessivas camadas que gerassem, ao mesmo tempo, área planas para acolher as pessoas (platôs) e áreas escalonadas que servissem tanto como escadas, escadas hidráulicas e/ou arquibancadas.
Optou-se em criar o espaço da praça rodeado por um percurso de passeios/calçadas, que possam espelhar e dar continuidade às calçadas do entorno, mas de modo que sejam mais largas e confortáveis, dentro das possibilidades que o relevo local oferece. Por força desse mesmo relevo e da infraestrutura existente das vias que conformam a praça, as inclinações não puderam ser modificadas para as calçadas projetadas. Então, foram adicionadas nas áreas de maior inclinação de cada lado da praça, corrimãos fixados ao longo de guarda-corpos projetados para protegerem as pessoas dos desníveis criados entre o interior escalonado da praça e os passeios perimetrais.
Por conta das escavações necessárias para modelar o terreno e adaptá-lo ao lazer da comunidade, uma série de arrimos foi projetada ao longo de toda a praça para conter os desníveis com as calçadas laterais, conter os platôs criados, as áreas escalonadas e, inclusive, os próprios canteiros das árvores existentes, considerando aqui, que desde o início foi intenção deste projeto a manutenção das árvores de maior porte como partido urbanístico-paisagístico.
Internamente foi onde o trabalho de esculpir o terreno se fixou: a primeira decisão foi a de criar áreas planas para o encontro e convívio das pessoas e que, ao mesmo tempo, pudessem oferecer a possibilidade de usos diversos. Conseguiu-se através de uma série de simulações, a criação de dois platôs alinhados com a rua Conceição, via essa que se estabelece como a mais plana no entorno, e, portanto, a principal como acesso ao interior da praça. Mesmo assim, para esse acesso aos dois platôs internos da praça, foi necessária a criação de rampas entre eles, e entre os mesmos e a calçada paralela à rua Conceição. Além das rampas, dois jogos de escadarias complementam o acesso entre os platôs e a calçada da rua Conceição. Dessa forma, em meio às dificuldades de acessibilidade que o terreno e o entorno impõem, a criação desses dos platôs estabelece áreas amplas e acessíveis para o lazer da comunidade de São Francisco.
No primeiro platô, acessado diretamente pela calçada da rua Conceição através de rampa e escada, foram implantados um conjunto de bancos incorporados aos canteiros das árvores existentes. Na lateral esquerda da praça, no cruzamento da rua Conceição com um braço da rua São Jose, optou-se em implantar o playground para as crianças, aproveitando-se da presença de grandes árvores nessa região como fator de sombreamento. Um grande canteiro-arrimo serpenteia paralelo à rua Conceição, contendo as três grandes árvores existentes e suas belas copas sombreadoras, além de servirem de base para um banco de concreto e madeira de mesmo formato.
O segundo platô é acessado através do primeiro também por rampa e uma escadaria e, além disso, esse platô foi estendido até a calçada da rua São José, criando um acesso secundário. Do lado oposto, uma escada lateral faz o acesso à calçada do braço esquerdo da rua São José, que se liga com a Conceição. Acima do segundo platô, uma sequência de outros pequenos platôs escalonados até o topo do terreno, formam uma arquibancada gramada que, como dito antes, servem primeiramente como escadas hidráulicas, absorvendo e quebrando a velocidade do fluxo das águas das chuvas mais torrenciais. Além disso, foram projetadas também como micro lugares diferenciados na praça, aproveitando-se que cada plano elevado criado é diferente um do outro, em tamanho e altura relativa ao segundo platô. Dessa forma, a arquibancada esculpida no relevo assume também a função de lugar de plateia, pois o segundo platô também foi projetado como uma área para apresentações culturais diversas, principalmente as que possam ser estimuladas pela comunidade local do bairro São Francisco.
Ao lado das arquibancadas foi instalada uma academia popular com equipamentos para a prática de exercícios físicos, com piso em deck de madeira de lei. E, entre a academia e as arquibancadas foi implantada uma escadaria com degraus que acompanham a topografia acidentada desse trecho do terreno, que conecta os platôs com o topo da praça. Essa pequena área também foi trabalhada como um outro pequeno platô gramado, localizado entre o final das arquibancadas e da calçada da rua São José. A existência aqui de árvores de grande porte com copas que fazem uma bela sombra natural no local, transforma esse topo em mais um canto-recanto diferente do restante de toda a praça.
A Praça do bairro São Francisco se resume na transformação de um espaço ocioso em um novo lugar público para uma comunidade carente desse tipo de equipamento. Para tanto, houve a necessidade de se reconfigurar a geografia deste pequeno lugar, a partir da remodelação de seu relevo, transformando-o em um novo espaço público para a cidade de Cariacica, e em particular, para as necessidades da comunidade de São Francisco, que deve se apropriar desse novo lugar como sendo seu.


Implantação


Estudo para a Praça do Skate (skate park),Cariacica-ES. Ano de 2022.
Em um espaço vazio com uma grande castanheira, foi proposta uma área para a prática do skate e esportes de "rodinha", com rampas, obstáculos e um half para manobras. Canteiros e guarda-corpos metálicos, separam a área de prática do passeio público e da pista da Rod. 262. Infelizmente, o projeto não foi para frente, mas o estudo e a intenção permaneceram como ideia de aproveitamento de espaços públicos ociosos na cidade de Cariacica. Estudo desenvolvido como Arquiteto-Urbanista da @avantecengenharia Créditos das imagens 3d: Avantec Eng.